$type=grid$count=4$tbg=rainbow$meta=0$snip=0$rm=0

'Ia de metropolitano e ninguém olhava para mim. Noutros tempos até vinham pedir-me autógrafos'

SHARE:

O fim de décadas sem dar uma entrevista, Tomás Taveira aceitou receber o i no seu ateliê na Avenida da República e abrir a sua vida. Falou ...

O fim de décadas sem dar uma entrevista, Tomás Taveira aceitou receber o i no seu ateliê na Avenida da República e abrir a sua vida. Falou de tudo, mesmo dos episódios mais polémicos.

Não poupa elogios a Siza Vieira, mas o mesmo não se pode dizer das suas palavras sobre Souto Moura. Taveira descreve-se como um arquiteto barroco e um homem simples, garante que está longe de estar morto, mas reconhece que já nao tem tantos clientes.

Há muitos anos que não dá uma entrevista. Porquê?

É difícil responder. Resposta mais fácil: ninguém me pediu entrevistas.

Sabe que não é bem assim...

Já me tinha pedido e eu não respondi? Então peço desculpa (risos). Durante muito tempo não senti necessidade de me afirmar. Quando uma pessoa dá uma entrevista projeta um pouco do seu espírito, um pouco da sua cultura, um pouco do seu desejo de viver, daquilo que pensa do ambiente geral da sociedade. Depois há ainda uma outra razão: durante 15 anos, aproximadamente, não vivi em Portugal. Eu regressei há dois ou três anos. Vivi fora estando aqui: os projetos que tinha eram no Dubai, na Rússia, no Cazaquistão, na Argélia, no Brasil, em Angola, um inferno. Ficava dois ou três dias a comandar o ateliê, depois saía e voltava, estava mais oito dias e tinha de dar assistência à família - pouca, mas dava. E por isso vivi desligado do país, não desligado do ponto de vista da relação de cidadania, sei quem são os ministros - pelo menos aqueles que merece a pena, porque há uns gajos que não sei onde é que o Costa os foi desencantar... Conheci António Costa na barriga da mãe, trabalhava eu com o Teotónio Pereira na Rua da Alegria, nº 61, e a Maria Antónia morava com o Orlando da Costa no prédio em frente, portanto fui assistindo ao evoluir da barriga. Sempre tive boa relação com ela e com o Orlando da Costa. Ele era uma pessoa muito rígida, do PCP, e sabia que eu não era do PC. Hoje isto está tudo atenuado, um é PC, outro CDS, mas as pessoas não se ofendem, não se magoam, não se afastam, não criam barreiras. Mas naquela altura era diferente...

Polarizado?

Sim, havia um bocadinho disso. O Orlando da Costa escreveu um livro que se chama “Podem chamar-me Eurídice”. Naturalmente passado na clandestinidade. Não sei se sabiam - aliás nem sei se o Costa sabe... (risos), há muitas coisas que os pais fazem que os filhos acabam por não saber. Mas vale a pena ler esse livro.

Voltando à questão que lhe tinha colocado, porque decidiu agora dar uma entrevista?

Neste momento sinto necessidade de mostrar que estou vivo, que, além de vivo, estou mais operacional do que estava antigamente, porque agora já não tenho filhos a chatearem-me e os netos estão longe. O meu último neto vive nos Açores, é um puto fabuloso.

É o bebé que está ali naquela fotografia pendurada?

Não, aquela é a minha filha, que hoje já tem 44 ou 45 anos. Deixei de pôr mais fotografias porque me disseram uma vez que dava azar e se formos ver aqueles filmes em que há grandes confusões metafísicas metem sempre fotografias e coisas esquisitíssimas.

É supersticioso?

Completamente. Entro sempre com o pé direito, é uma superstição clássica, porque em miúdo a minha mãe disse-me para o fazer. Sabem de onde vem isto? Vem da velha tradição marxista da esquerda, não se podia fazer nada com a esquerda, porque podia denunciar uma inclinação. Mas tenho uma filha que é canhota e é feliz (risos) e nunca a contrariei, achei sempre giríssimo até.

Qual foi o momento em que começou a sentir que precisava de se afirmar?

Realizei muito recentemente que as pessoas não sabem quem eu sou.

Quem é que não sabe?

As pessoas não sabem. Uma coisa é saberem que há uma pessoa que fez as Amoreiras e que se chama Tomás Taveira outra é colar esse nome a uma imagem.

E não colam hoje em dia?

Não colam. Durante uns tempos largos tinha de ir a casa dar comida a um gatinho - eu tenho uma afinidade muito grande com os gatos, com cães também, mas com gatos é outra coisa. Ia sempre de metropolitano e ninguém olhava para mim. Noutros tempos até vinham pedir-me autógrafos. Quando eu realizei isto, colei esta circunstância a dois fenómenos. O primeiro foi a distância que eu mantive em relação ao país. O segundo é a alteração que se deu nos agentes económicos e nos agentes imobiliários. E na nova estrutura que comanda a construção na cidade. Hoje quem comanda a construção da cidade são os fundos [de investimento], que querem metros quadrados para vender a brasileiros, a etíopes, a chineses. Estão-se nas tintas para fazer cidade. Se pensarem bem desde as Amoreiras até hoje quais foram os edifícios construídos que fizeram cidade? Chegam a Nova Iorque têm Times Square, fez-se cidade. E aqui?

Com o Parque das Nações não se fez cidade?

Não, fez-se urbanismo. Fazer cidade não. Lembra-se de algum edifício no Parque das Nações? Lembra-se é de montes de edifícios que estão ali. Fazer cidade é aquilo que Sisto V fez em Roma traçando a velha Roma dos Papas e em cada cruzamento das avenidas que ele mandou abrir colocou ícones, um deles a Igreja de São Pedro. Isto é fazer cidade.

E a intervenção na Ribeira das Naus não é fazer cidade?

É uma boa pergunta. Fazer cidade é criar acontecimentos na cidade que sejam absorvidos como ícones pela sociedade. A sociedade identifica-se com a cidade através de ícones, não através de acontecimentos que são epifenómenos. Se for perguntar a meia dúzia de turistas - não à Madonna porque essa é pedra - contarão que gostam de andar aqui ou ali, não saem da Mouraria, do Chiado... Porquê? Porque se identificaram com aquele pedaço de cidade. Mas não é nada de verdadeiramente novo. Eu fiz o BNU, que foi eventualmente o último ícone da cidade de Lisboa. Fizeram-se duas torres na Avenida José Malhoa...

As Twin Towers.

Sim, não se fez cidade. Se eu lhe disser ‘desenhe aí as Twin Towers’ você não sabe, são duas torres que estão ali. Fazer cidade é carregar de significado certos pontos da cidade através de ícones e os ícones da cidade são basicamente ou grandes fontes ou edifícios. A Fonte Luminosa fez cidade. Toda a gente atacou, mas hoje a malta cala-se e não diz que foi o Salazar que a construiu, porque os comunistas e toda a malta vai para lá fazer festas e não interessa dizer isso. A Fontana di Trevi, um acontecimento, não é? Trinità dei Monti, aquela escadaria toda com a igreja lá em cima. Isto é fazer cidade. Aqui não, isso não aconteceu.

Porque é que na sua opinião não se está a fazer cidade?

Fundamentalmente toda a atividade económica saiu das mãos dos investidores, como a família Martins, que fez dois mil e tal fogos nas Olaias, mais não sei quantos quilómetros quadrados de escritórios e de comércio. Esta energia perdeu-se. Quando eu era miúdo quem fazia cidade eram os tomarenses, nunca investiguei porque chamavam tomarenses àquela malta toda que via a construir aqui na Praça do Chile, na Carlos José Barreiros, uma arquitetura característica fundamentalmente feita pelo Cassiano Branco, que era o rei dos patos bravos (risos) mas fazia uma arquitetura fabulosa. O primeiro ateliê que eu tive sozinho foi aqui na rua em frente, na Avenida Defensores de Chaves, num prédio desenhado por Cassiano Branco. Foi para mim uma glória. Hoje os fundos absorveram tudo quanto era crédito imobiliário mal parado, talvez um milhão de falências que envolviam créditos sobre imobiliário, que passou para a banca. A banca rapidamente colocou nos fundos para não pagar impostos, pelo menos durante três anos, e os fundos vão buscar um arquiteto ou uma arquiteta amiga, que pega no edifício, mete-lhe umas cozinhas novas, vai ao IKEA e compra dois sofás e um candeeiro, pinta tudo e engraxa a fachada e vende por uns milhões. Não é pela qualidade do que vende, mas pela pressão do mercado.

Acha que já podemos falar de uma bolha?

Já está no ar, tinha de ser.

Acha que se deve fazer cidade onde já existe cidade ou deve fazer-se apenas onde ainda não existe?

Devo dizer-lhe que fazer cidade é uma questão ética e artística e de energia dos donos da câmara, de quem lá manda. Pode levar dois ou três investidores, que têm uns quantos prédios e dizer: ‘Vocês vão-se juntar todos porque eu quero uma coisa a sério’. Mas essa energia não existe porque as próprias forças camarárias estão prisioneiras dos fundos. Os fundos têm um poder incomensurável. Querem ver um exemplo? Têm aqui nas Picoas um edifício, eventualmente o pior edifício do mundo. A história daquele objeto é simples: o primeiro projeto feito para ali foi feito por mim, no tempo em que aquilo era do Banco Português do Atlântico. Depois esteve parado durante uns anos e o banco não andou com o projeto e a dada altura aquilo aparece nas mãos de um senhor chamado Armando Martins que é dono, ou pelo menos tem muitos shares aqui no Atrium Saldanha. O Armando Martins, que é meu amigo há 50 anos ou mais, foi à câmara e deram-lhe autorização para fazer 12 pisos. Mas ele queria 14 pisos. E andaram neste impasse até que Armando Martins teve de entregar o terreno ao banco. Ficou sem o terreno, devia dinheiro, não sei se pouco ou muito.

Leia na íntegra a primeira parte da entrevista na edição impressa do i, já nas bancas. A segunda parte será publicada na edição de segunda-feira.


by Carlos Diogo Santos e José Cabrita Saraiva via Jornal i

COMMENTS

Nome

noticias,10754,
ltr
item
Últimas Notícias: 'Ia de metropolitano e ninguém olhava para mim. Noutros tempos até vinham pedir-me autógrafos'
'Ia de metropolitano e ninguém olhava para mim. Noutros tempos até vinham pedir-me autógrafos'
https://cdn1.newsplex.pt/media/2018/10/4/fb/658869.jpg
Últimas Notícias
https://ultimas4noticias.blogspot.com/2018/10/ia-de-metropolitano-e-ninguem-olhava.html
https://ultimas4noticias.blogspot.com/
http://ultimas4noticias.blogspot.com/
http://ultimas4noticias.blogspot.com/2018/10/ia-de-metropolitano-e-ninguem-olhava.html
true
5806162140958928676
UTF-8
Loaded All Posts Not found any posts VIEW ALL Readmore Reply Cancel reply Delete By Home PAGES POSTS View All RECOMMENDED FOR YOU LABEL ARCHIVE SEARCH ALL POSTS Not found any post match with your request Back Home Sunday Monday Tuesday Wednesday Thursday Friday Saturday Sun Mon Tue Wed Thu Fri Sat January February March April May June July August September October November December Jan Feb Mar Apr May Jun Jul Aug Sep Oct Nov Dec just now 1 minute ago $$1$$ minutes ago 1 hour ago $$1$$ hours ago Yesterday $$1$$ days ago $$1$$ weeks ago more than 5 weeks ago Followers Follow THIS PREMIUM CONTENT IS LOCKED STEP 1: Share. STEP 2: Click the link you shared to unlock Copy All Code Select All Code All codes were copied to your clipboard Can not copy the codes / texts, please press [CTRL]+[C] (or CMD+C with Mac) to copy